quarta-feira, 5 de setembro de 2007

O roteiro inacabado

Canção à companheira

Que seja naquele jardim
Longe demais
Com pétalas de sonho
Penduradas no denso ar
Esperando tudo nosso brotar
Seja lá!

Que seja naquele sobrado
Velho demais
Esperando o tempo parado
De correr, de ficar
De aprender a se amar
Seja lá!

Ou seja naquela varanda
Linda demais
Adorando nossos sonhos
Nosso canto, nosso mar
Nossa noite num despertar
Seja lá!

Que seja aqui onde canto
Nossa ilha de encanto
Bêbados e sós
Perdidos em nossos lençóis
Mas que seja eu
E que seja você
Num só canto
Num só nós



Aos amigos deixados

Tanto faz o tanto tempo
Que tanto tempo faz

E os quero como queria antes
E como antes os quero!

Antes mesmo do agora
E agora antes que nunca

Que nunca os quis tanto para sempreE sempre hei de querê-los, como nunca antes



A mim

Afinal, sou alcoólatra
Solitário
Enfim, meu final, confuso
Hilário




NATAL
Versos com gosto amargo da saudade e doce do alívio




A noiva do sol

Flor pisada
Foi isso em que você se transformou,
Numa flor pisada

Pisada, mas que mostra suas cores
Despedaçada, mas esconde suas dores
Flor queimada

Queimada, em sua própria fogueira
Desfigurada, amordaçada em sua própria bandeira
Flor envergonhada

Envergonhada, em seu próprio prazer
Estuprada, em seu próprio lazer
Flor doente

Doente para morrer
Triste, morrer de tristeza
Não vou estar aí
Para ver.



À moça doente
A dor do definhar doente de uma linda moça, Natal.
Poesia sobre uma balada de Vinicius D'Ávila

Se te ver assim
Foi só ruim
Não sei dizer
Não pode ser

Para te achar
Eu fui procurar
No pior de ti
No pior de mim

E p’ra não te ver
Doente p´ra morrer
Eu agonizo
Em outro paraíso

Eu vim chorando
Você ficou doendo
Eu te chamando
Você se perdendo

Se eu não visse em ti
Esse ia
Não, não Natália
Eu ficaria

Acabou
Pegue o que é teu
Veja como estou
Vê que me perdeu

Esse é o instante
Que sempre se quis
A gente distante
A gente feliz



Minha Volta, Minha Ida

Voltar a teu calor
Que estranho
Sentir-me como de volta à cela
A da minha condenação

Voltar a teu calor
Que bom
Sentir-me como no útero
andando no passado

Voltar a teu sabor
Que triste
Sentir-me perdido em solidão
Em casa, desconhecido, só

Voltar a teu sabor
Que branco
Sentir-me rindo aos abraços
Dos novos e velhos braços

Voltar a ti, Natal
Quanto esperei

Voltar a ti, Natal
Quanto esperei

Melhor ainda,
Que voltar a ti,
Natal,
É te deixar
Assim,
Natal




SÃO LUÍS DO MARANHÃO
Versos de adoção


São Luís dos meus olhos

Vou correr a teus braços
Como criança perdida
Em choro e tristeza
A procura da mãe, bendita

Vou correr a teus braços
Como o jovem aflito
Que perdido de amor
Sofre e brada: maldito

Vou correr a teus braços
Como correr para a mulher amada

Com todo desespero
Como toda ganância da adorada

Vou correr a teus braços
Como correm os órfãos
Chorando a morte
Para os braços dos irmãos

Vou correr a teus braços
São Luís
Como quem beija a filha
Corro a teus braços
Minha ilha
E espero, um abraço



Praça Benedito Leite

O que te faz ficar aí, menina pobre
Rodeada por palácios tombados
O que te faz ficar aí, pobre menina
Sob apenas esse céu estrelado

O que nos faz apaixonar-se
Apenas por ter te passado?
O que nos faz cegar-se num instante?
É esse azul roubado,
Ou teu longo, doloroso e pobre passado?



Panaquatira

De quem te escondes diariamente
Por que tu foges dos meus?
Por que te vais delicadamente?
Ao encontro, longe, dos seus.

Qual é tamanha vergonha?
Que te faz cobrir o rosto
Te faz esconder o gosto
De quem contigo sonha.

Seria sem fim minha tristeza
Se não voltares para me ver
Se não viesses me ter

E tu me largas assim
Como eu não te largaria,
Mas se me levas, não voltaria.



Poema Maiobense

Ah, se não existe esse mar
Como seria de mim
Assim, sem você para olhar

Ah, se não existe esse luar
O que seria de mim
Sem você para deitar

Ah, se não existe esse verde
O que seria de mim
Sem poder ver-te

Ah, se não existe esse vento
O que seria de mim
Sem você, a escutar meu lamento

Ah, mas existe isso tudo
E muito mais ainda existe
Mas mesmo com esse tudo
Sem você, só sem você
Eu sou triste
Muito triste.




RIO DE JANEIRO
Versos encantados de beleza



Arpoador

Para sempre, então, separados
Um procurou o dia
O outro, por sinal, desesperado
Na noite se fazia

E, naquele dia, todos sabiam
Que os dois, que se negavam
Que nunca, nunca, se viam
À noite se encontravam

E se juntaram, todos, na esperança
Daquele único encontro acontecer
Mas o sol se escondeu, tímido
Antes da lua, por trás do Rio aparecer
E eu, no meio de todos aqueles,
Apenas sentindo a falta de você



Lago de Ar
Letra sobre música de Vinicius D'Ávila

Cegas luzes incandescentes
Copos cheios covardes insistentes

O som quebra o gelo e a calma
As cinzas queimam o zelo e a alma

Cacos de vidas para juntar e colar
Lares e sonhos que vamos todos deixar pra lá

A idéia deixa o ócio e se esconde
O dia rasga a noite e explode

Canções sólidas para se tocar
Palavras e vozes adensando o ar
Tramas e dores para se imaginar
Tiros e gritos para se assustar

Nada por aqui que não se agite
Quem tirou afinal nosso limite?

Botafogo é um lago de ar
A varanda nos chamou aqui para pular

Para onde conseguiremos voar?
Com asas etílicas frágeis de se quebrar

Caiamos então, e corramos
Por becos e ruas que não nos percamos

Para bater de cara nos muros e portas que já tanto batemos
Para saber a hora dos encontros e furos que ainda não demos

Trago-lhe flores colhidas em terrenos baldios
Trago-lhe drogas que tirei de velhos sadios
Trago-lhe canções que roubei de loucos vadios
Trago-lhe o chão e o travesseiro macio
Trago-lhe esse céu, como se diz, azul anil
Trago-lhe esse corpo, farrapo, mofino, morto e vazio


A Pedra

... e finalmente tiram-na de mim
Notava-se que aconteceria, sentia-se
Era evidente e sem volta, via-se
...e infelizmente tiram-na de mim

Agora onde estou não há mais ela
Não me consola mais, silenciosamente
Mesmo assim, dias desses, inutilmente
Tento vê-la, espioná-la, pela janela

evolvam-me! Penso gritar: devolvam-me
Ou me levem aonde possa vê-la
Onde eu toque-a, beije-a, ame-a

Devolvam-me! Tento implorar: devolvam-me
Pois mesmo que não seja minha, posso tê-la
Certo, ela é de pedra, mas não é só da Gávea.



Lágrimas do Centro

Parecem até lágrimas
Dos prédios tristes e sós
Caindo nas calçadas
E escorrendo entre nós.

Parecem até lágrimas
Que molham essas calçadas
Desse centro marginal
De almas perdidas e cansadas

Parecem até lágrimas
Que insistem em nos tocar
Mas não são, não!
São condicionadores de ar.



Ocaso
...o entardecer da Urca

Ensandecido com a nostalgia da noite
Foi-se, volta a volta, enrubrecendo-se
Vestia de um azul que não lhe pertencia
Algo de estranho, aquele azul
E como que forçosamente e pontual
Começou a lutar para não esvair-se

Equilibrou-se pelas serras íngremes
Por seu peso e sua forma, não durou
Lentamente, tristemente, deslizava

Em desespero, gritou!
Seus gritos rubros e róseos nos enchiam os olhos
Seu desespero nos aprazia.

Enfim, depois de explodir em mil cores
E derramar-se em sangue quase púrpuro
Feneceu, docemente.

E por isso, milhares deles surgiram no ante-breu
Indo e vindo, em todos os lados
Exprimindo os contornos dessa cidade
Desenhando trajetos de vota ao lar
Indicando as trilhas de se perder
E apagando-se, finalmente, para o sono alheio.

Restou-me a memória:
Imagem desse sofrimento na retina
E a certeza que esse sofrimento será diário
E por isso essa explosão de beleza também



Rio Branco com Almirante Barroso, de manhã cedo

Obscuro meu caminho até cá
Curvas ruído e escuridão
Emergido por pata de cão
Embevecido de sono e chá

Fótons solares não tocam esse chão
Almas e sombras: é só que há

O cheiro de urina nos afasta o ar
Semi-humanos te imploram pão

No passeio, vendem-se fatos
Todos os olham sem comprar
E com eles, gritam-se desacatos

Procuram-se, todos, se achar
Empurrando pedras pelos sapatos
Esperando, mesmo, o dia acabar.



Despedida Carioca

Talvez foi a última dose naquele canto da São José
Talvez o último passeio na Almirante Barroso ou na Rio Branco
Talvez o metrô não seja o mesmo daqui a um tempo
Talvez com o tempo eu esqueça o que isso tudo é

Talvez o último congestionamento na Mena Barreto
O último tira-gosto na Paulo Barreto

Talvez a última sombra na Dona Mariana
Talvez um último aperto

Talvez, talvez

Talvez não veja mais os Dois Irmãos
Nem Copacabana, nem o Corcovado
Talvez nunca mais verei a Lapa
Nem seu samba, nem seu choro, nem seu tablado

Talvez não venha nunca mais
- Que idéia esquisita
Ou talvez venha, mas se vier, meu Rio
Vai ser só uma visita



FORTALEZA
Versos repentinos


Beira Mar

A beira mar me chama
Som metálicos, arames berimbaus
Finjo nem notar.

A beira mar me chama
Explosões salgadas a cada instante
Finjo não gostar.

Mas hei que vou
Cego de embriaguês e medo
Cego de sono.

Vou.
Beira Mar.

Você deita na calçada
E dorme!
Me pede dinheiro
Foge da polícia
Joga Capoeira
Paga milhões p’ra morar mal.

- Me paga uma lagosta?
- For sure!
“ –Diz fried que ele entende!”

Você fala inglês
Francês, alemão!
az barba, cabeça e bigode.
Faz tudo!

Você é africano,
É índio
É comercial.

Transa todas, Beira Mar.
Perco-te de longe em visão
Perco ao toque
Ao olhar-te.

Ao sujo das águas que te alimentam!

Ao sustento dos homens que roubam!

A ganância dos que te vendem!

Beira mar!

Você é comercial
Fala inglês e foge da polícia!

E me pede um trocado.
Beira Mar!

E você me chama – berimbau, berimbau!
E eu vou, render-me a ti, Beira Mar
Como rendem-se tantos:
- ao dinheiro dos gringos
- à vida fácil
- à morte!

Rendo-me aos teus mistérios, Beira Mar.

À tua água batendo.
Ao teu berimbau de novo
E ao meu ócio, inútil!